Monday, January 30, 2006

Exercício

Despego a cabeça mole e sem vida da almofada, ofereço cabelos sem que me dê conta. Em frente, apanho o reflexo de um rosto desalinhado de melenas torcidas e levantadas no ar com a força da preguiça matinal e da urgência do shampoo. Estremeço de calafrios. Abro os braços para cima e desentorpeço a cervical enferrujada de uma noite tímida. Destapo-me de rasgo, o edredon voa pesadamente até cair derretido no chão.. Tenho os pés assentes na terra. Dou uma topada nos chinelos, que fogem cada um para o seu canto do quarto escuro e semifranzido. Correm-me as lágrimas de tentar ver as horas sozinha sem ajuda clínica. O despertador emudeceu mas fita-me zombateiro e implacável. Ignoro-o com uma careta. Dou passos curtos até à janela, contando os tacos que reclamam verniz. Puxo o braço direito para fora e deixo que dia me percorra suavemente até que a pele se erice. Regresso o quarto em sprint atlético. Mergulho ofegante na cama mais cinco minutos. A culpa tortura-me até as unhas dos dedos mindinhos. De um salto, ergo tudo e imagino que me esticam os tendões numa ponte. Levanto-me finalmente. Arregalo os olhos de tanta luz. Inaugurei a liça de mais um dia imprevisto.

Nevou em Lisboa

(Ontem, dia 29 de Janeiro de 2006) nevou em Lisboa. Confesso a minha excitação e surpresa. Primo, nunca tinha visto neve. Sim, eu eu sei, é um disparate. Mas neve só dos postais. Secundo, estava frio, muito frio. Por momentos pensei que estávamos na Europa. Até tirei fotografias. Tertio, pude desanuviar de uma montagem complicada de mesas de cabeceira do IKEA. Só que foi neve de pouca dura. Mal chegava ao chão, ficava logo lavada em água da chuva. Hoje de manhã, rapidamente a ilusão desapareceu. Portugal está a ficar com um clima parecido com o Norte de África, diz um estudo. Depois à tarde, nova tristeza. A grande notícia da TSF é que no final do encontro entre o novo Presidente da República e o cessante, ambos se despediram com um aperto de mão. Fico sempre apanhada de surpresa. Será que esperavam um grande abraço amigão, como na telenovela? Ou um valento chocho russo? Ou talvez umas pancadinhas firmes nos costados sexagenários de ambos? Não percebo, francamente. No final da notícia, retive apenas que houve um ambiente de grande cordialidade e que não há pressas.
Pobretes mas alegretes. Estranho fado este.

Monday, January 02, 2006

Melancolia

Sim senhora, lá correu mais um ano e nem dei por isso. A não ser talvez na crescente intolerância para com todo o período das festas natalícias e de entradas ao pé coxinho e disparates assim. O feeling já não é o mesmo. Comi as passas mas aquele frémito de excitação que sentia na juventude ou a ansiedade com a promessa de um novo ano parece ter desaparecido. Limitei-me a engoli-las com atenção para não me engasgar, com a RTP Memória a dar o ambiente de fundo e alternando com um programa surreal sobre a vida dura dos duplos no cinema. No dia seguinte, nem procurei sair de casa não fosse dar-se algum azar de 1 de Janeiro de 2006.